SEJA FEITA A VOSSA VONTADE ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU
Podemos iniciar a reflexão sobre esse trecho do Pai Nosso com as
seguintes perguntas polêmicas: O que é vontade de Deus e o que é permissão de
Deus? Qual é a vontade de Deus?
As diversas religiões cristãs e não cristãs, bem como seus líderes
ou pregadores, tem várias versões e explicações para essas perguntas. Muitas
delas, inclusive, absurdas. Para muitos, Deus é a favor de guerras, de
assassinatos, de atentados terroristas e outras violências contra a liberdade,
dignidade e vida humanas. Em certos casos particulares, para muitas pessoas até
mesmo “religiosas” e que “gostam de Deus”, este Deus seria a favor de um homem
deixar sua esposa e juntar-se com outra mulher, caso seu casamento não
estivesse “dando certo” ou se seus gênios não fossem “compatíveis”. Muitos
ladrões, bandidos, assaltantes e traficantes podem até mesmo, em suas preces,
pedir a Deus que os proteja durante a prática de seus crimes e até mesmo
agradeçam a Deus o “feliz sucesso” em suas empreitadas.
Mesmo em nossa própria religião cristã, quiçá, entre nós
católicos, as opiniões sobre a vontade de Deus se dividem. Há pregadores que em
suas homilias e palestras dizem que Deus valoriza e até mesmo abençoa o
sofrimento humano, que pode ser caminho de santificação. Outros, ao contrário,
acham que Deus veio para aliviar toda dor e toda cruz, portanto, que o maior
sinal de sua benção é uma pessoa ficar livre de doenças e qualquer forma de
sofrimento.
Antes que falemos sobre a vontade de Deus, é interessante que
reflitamos um pouco na diferença que há entre vontade de Deus e permissão de
Deus. Muitos são os pensadores e filósofos que se debatem neste momento.
Infelizmente, jamais compreenderemos na terra o exato limite entre uma e outra.
Podemos, no entanto, garantir que Deus de forma alguma é a favor
do pecado e ou de qualquer coisa ou ocasião que possa levar alguém a pecar.
Nunca! Deus é o inimigo número um do pecado. O pecado é coisa odiosa para Deus.
Claro que também Ele não se compraz com as consequências do pecado, como,
sofrimentos, tribulações, provações, tentações, doenças, morte, etc. No
entanto, Deus permite que existam
tais coisas no mundo e na história humana, pois nós (todo o gênero humano) as
merecemos por nossa culpa.
Uma das coisas mais incompreensíveis à mente humana é o porquê de
Deus permitir a presença do mal, isto é, a ação do maligno no mundo. Como pode
ser que um Deus que é Amor permita que a humanidade padeça tanto sob o jugo das
forças do mal? Quantos inocentes sofrem diariamente o ataque de satanás e
daqueles que são da parte dele? Caros irmãos e irmãs, tudo é culpa nossa. Fomos
nós, homens e mulheres, que abrimos as portas para que o mal viesse à terra.
Deus respeita nossa liberdade. Mesmo cheio de dor, sofrendo junto conosco (como
o fez na Pessoa do Cristo), Deus permite que exista no mundo a presença do mal.
Repito e insisto: Deus não fica nada feliz com presença do mal no mundo. Sofre
junto conosco. Chora com os que choram. Enviou seu Filho Único ao mundo
justamente para vencer esse Mal, morrendo por nós na cruz. Porém, apesar de ter
vencido o mal na cruz e de nos ter conseguido a graça de também vencê-lo em
nossas vidas, não retirou totalmente a presença do mal do mundo. Esta é uma
realidade dura que faz e fará parte da cruz cotidiana de cada homem ou mulher
na face da terra, inocentes ou não. O
sofrimento com suas mais diversas “caras” é a cruz que todo o gênero humano
terá que levar até o fim do mundo. Mas isso não é vontade de Deus. Podemos afirmar com segurança: não são
vontade de Deus os crimes, as guerras, as violências, as catástrofes naturais,
etc. Deus permite que tais coisas aconteçam para que nós seres humanos as
enfrentemos com paciência, oferecendo a Ele nossa cruz do dia a dia, vivendo
com espírito de partilha e solidariedade, fazendo o que for possível para
ajudarmos os outros a levar também sua cruz.
Bem, voltemos ao que é vontade de Deus. Primeiramente temos que
saber que a Santa Vontade de Deus engloba vários aspectos. Os dois principais,
que resumem tudo, seriam a nossa salvação
eterna e a história humana. Uma
leitura que muito ajudaria a nossa reflexão seria a do livro do Êxodo. Lá nós
vemos como Deus trabalhou pelo bem e salvação do povo eleito de Israel,
permitindo a eles, inclusive, muitos sofrimentos e dissabores, tudo visando a
sua conversão e perseverança na fé. Sim. Deus testa nossa fé e nossa
fidelidade. Testa com o sofrimento. Isso é vontade de Deus. Não fiquemos
“chateados” com nosso Deus. Ele é nosso Pai. Ele sabe que frequentemente
precisamos de correção, do clássico “puxão” de orelhas para que nos voltemos
para Ele. Fazer o quê? Faz parte de nossa condição humana, herdada de nossos
pais Adão e Eva. Deus é “obcecado” por nossa salvação eterna. Quer que um dia
cheguemos ao Céu. Para isso temos que passar pela cruz, assim como Ele, na
Pessoa de Jesus, passou. Deus trabalha
nossa salvação eterna, trabalhando em nossa história de vida.
Bem, o caminho ou “método” para a salvação eterna de nossas almas
já está muito bem relatado nos santos evangelhos, bem como nos dez principais
mandamentos da Lei de Deus. Para nos salvarmos temos que amar a Deus sobre
todas as coisas, pronunciar seu santo Nome com respeito, respeitar e guardar
suas principais festas, honrar pai e mãe, não matar ou prejudicar a vida de
ninguém, guardar a castidade de acordo com nosso estado de vida, não furtar ou
subtrair algo de ninguém, não invejar ou cobiçar as coisas alheias, não cometer
adultério contra nosso cônjuge e nunca levantar falso testemunho contra nossos
irmãos e irmãs. Além disso, de acordo com o Sermão das Bem – Aventuranças e
outros discursos feitos por Cristo Jesus, para nos salvar temos que ser
desapegados dos bens materiais, temos que renunciar a tudo que atrapalha o
nosso amor a Deus e ao próximo, tem que levar nossa cruz cotidiana com paciência
e resignação, temos que ser puros de coração, mansos, pacíficos, humildes,
pobres de espírito e ter grande sede de Deus e de sua justiça (justiça nas
Sagradas Escrituras é tudo que é santo, correto e bom). Tudo isso nos levará
seguramente para a salvação eterna ao lado de Deus. Portanto, não precisamos
nos estender muito no tocante a qual seja a vontade de Deus no tocante à nossa
salvação eterna. Ele quer que todos nós nos convertamos, que renunciemos e
abandonemos todo e qualquer pecado, que abracemos a virtude e sejamos santos.
Pronto! Essa é seguramente a vontade de Deus no tocante à nossa salvação
eterna.
Muito bem, podemos até nos convencer que Deus que nossa salvação
eterna e que lutemos por ela. No entanto, o “problema” justamente está em compreendermos,
aceitarmos e nos resignarmos quando Deus permite que o sofrimento venha a
“bater” na “porta” de nossas vidas. Como é difícil, meu Deus! Como facilmente
nos revoltamos convosco! Nossa pouca fé e nosso pouco amor, bem como nosso
instinto de autodefesa rapidamente nos levam à revolta e às vezes até à
blasfêmia.
Herdamos de nossos primeiros pais, Adão e Eva, o mesmo pecado
deles. Por isso que se chama “pecado original”. E que pecado seria esse? Todos
nós somos nossos próprios “deusezinhos”. Temos um “amor próprio”, um instinto
de auto – conservação e auto – preservação extremamente aguçados. Isso é
impressionante! Como é difícil aceitarmos a vontade ou a permissão de Deus em
nossas vidas quando elas vão exatamente de encontro aos nossos interesses,
melindres e vontades próprias! Muitas vezes essa vontade ou permissão vão de
encontro até contra nossos instintos básicos, tais como: amor pela nossa vida,
apego a parentes e amigos, desejos e ambições. Não é verdade? É exatamente aí
que quase todos nós caímos. Para nós é muito difícil ver em tudo isso a
presença amorosa de Deus que quer que vençamos, com Ele, todas as nossas
cruzes, que encontremos nelas meios eficazes de conversão e de libertação de
nós mesmos, nossos “deusezinhos particulares” para termos apenas nEle e só nEle
toda a nossa vida e consolação.
Não pensem, meus irmãos e irmãs, que Deus se compraz ou se alegra
com o choro de uma mãe que perde um filho ou filha em um acidente, ou quando
este filho ou filha padece e morre de alguma doença grave. De forma alguma!
Deus sofre e chora junto com essa mãe. Deus é misericordioso e compassivo. Deus
é pleno em bondade, ternura e amor. Não nos livra da cruz, porque ela é própria
do gênero humano (“tome a sua cruz”...),
por causa do pecado de nossos primeiros pais, mas nunca nos abandona. Está ao
nosso lado, sempre. Parece invisível, pois, somos cegos. Fechamos os olhos de
nossas almas com muita facilidade. Queremos que Ele sempre esteja conosco do
nosso jeito, da maneira que achamos que Ele tem que fazer. Queremos que Ele
sempre nos dê saúde, prosperidade e sorte na vida. Achamos que Ele praticamente tem a obrigação de fazer a nossa vontade e
não que nós tenhamos que fazer a dEle! Por isso nos revoltamos quando a
vontade ou a permissão dEle não é igual à nossa.
O sofrimento faz parte do “ônus” de sermos humanos. Todos nós
temos que passar pelo sofrimento e pela dor, uns mais, outros menos. Esse
sofrimento já começa em nosso próprio nascimento. Como sofremos ao nascer!
Graças a Deus que em nossa memória não ficam gravados os tormentos que sofremos
no útero de nossas mães no momento das contrações do parto! Creio que se nos
lembrássemos de tudo, ficaríamos loucos. Deus, até nisso, foi misericordioso
para conosco. Tão logo respiramos, isto é, tão logo nascemos, logo nos
esquecemos de tudo e somos consolados com a presença amorosa de nossas mães e
somos acalentados pelo delicioso leite de seus seios. Como Deus é bom! No
entanto, toda nossa vida, a partir daí, será repleta de lutas. Sentiremos fome,
sede, choraremos sentindo a falta de um abraço, de um consolo, sentiremos
cólicas, pegaremos as primeiras gripes ou viroses, ficamos sujos, etc. A vida é
assim... Fazer o quê? A culpa foi nossa. Leiamos o que Deus disse aos nossos
primeiros pais quando estes pecaram: “Disse
também à mulher: Multiplicarei os sofrimentos de teu parto; darás à luz com
dores, teus desejos te impelirão para o teu marido e tu estarás sob o seu
domínio.” E disse em seguida ao homem: “Porque ouviste a voz de tua mulher e
comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra
por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias
de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da
terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que
foste tirado; porque és pó, e pó te hás de tornar” (Gênesis 3, 16-19).
Portanto, meus irmãos e irmãs, é “normal” para Deus permitir que
tenhamos que lutar na vida, que penemos, que trabalhemos, que tenhamos que
fazer a nossa parte no mundo. A vida é assim. E isso não a torna menos bela.
Não! Deus continua conosco. Ele está perto de nós, ao nosso lado. Ele nos dá
força, nos encoraja, nos dá esperança e vida constantemente. O problema é que
não O vemos. Fechamo-nos em nosso “mundinho” e não enxergamos a um palmo de
nossos narizes. Não vemos a Deus nas “noites escuras” que Ele permite que nos
ocorram para o nosso bem. Somos cegos. Somos nossos próprios “deusezinhos” e só
ficamos satisfeitos quando a nossa
vontade é feita, não a de Deus. E olha que a nossa vontade geralmente não nos
conduz à felicidade verdadeira e à vida...
Como somos diferentes dos habitantes do Céu! Lá, apenas a vontade
dEle, por mais difícil ou incompreensível que pareça ser, é que é feita e
comprida à risca. Os santos amaram a vontade de Deus na terra, por isso é que a
amam no Céu. Pensam que isso foi fácil? Não conheço um santo ou santa que não
tenha sofrido muito. As histórias dos processos de beatificação e canonização
estão cheias dessas histórias. O que eles ou elas tinham de diferente de nós?
Eram, porventura, insensíveis? Eram masoquistas? Não! Claro que não! Muitos,
inclusive, eram bastante sensíveis e até mesmo frágeis de saúde e compleição
física. O que tinham de diferente? Amavam a Deus, amavam-nO ardentemente! Isso
faz a diferença. Quando amamos a Deus e estamos certos, convencidos que Ele
também nos ama, aceitamos tudo o que vir em nossa vida. Aceitamos a tempestade
e a bonança, a dor e o alívio, a fome e a fartura, a doença e a saúde, o trabalho
e o descanso, não como coisas próprias, mas, tudo como dom de Deus. Isso também
faz a diferença.
Quando consideramos as coisas e fatos em nossas vidas como coisas
e fatos “isolados de Deus”, vivemos em grande desassossego e intranquilidade.
Temos medo de tudo. Tudo nos causa medo. Se estamos na “calmaria” temos medo
que venha a “tempestade”. Se estamos na “tempestade”, achamos que ela nunca
mais tem fim. Ficamos impacientes. Esses pensamentos fazem-me pensar no
episódio da tempestade no mar da Galileia. Puxa vida! Os apóstolos e discípulos
estavam com Jesus na barca. Eles já haviam assistido a estupendos e
maravilhosos milagres! Nada disso bastou quando veio sobre eles a ventania e a
revolta das ondas. Eles nem prestaram atenção em Jesus que dormia tranquilamente.
Voltaram seus olhares, atenções e medos unicamente para a tempestade. Não
olharam para Jesus. Não imitaram Jesus. Gritaram de medo e pavor. Desesperaram.
Não fazemos exatamente o mesmo? Nos sofrimentos de nossa vida, desesperamos
facilmente. Não olhamos para Jesus que “dorme”, mas, que está junto de nós. Não
temos fé de que Deus está junto de nós, mesmo quando aparentemente “dorme”...
Ó meu Deus, que seja feita a vossa Vontade, assim na terra como no
Céu! Vossa vontade muitas vezes misteriosa e incompreensível às nossas pobres
inteligências e à nossa pouquíssima fé é sempre para o nosso bem. Não creremos
nisso? Vamos viver eternamente assim, infelizes, desconfiados de Deus? Somos
assim tão mesquinhos e interesseiros?
Que a vossa Vontade seja feita na terra como é feita no Céu! Que
Jesus nos ensine a crer e em amar a vossa Vontade. Quantas vezes, meu Jesus,
fizestes a vontade do Pai a “duras penas”, mas, a fizestes ardendo de amor e
desejo que essa vontade se cumprisse até o fim! Que exemplo, Jesus! Quantos
exemplos nos deixastes de adesão heróica à vontade de Deus Pai, chegando ao
ponto do sacrifício de vossa vida!
Que também a Virgem Maria nos ensine a crer e a amar a vossa
santíssima Vontade, assim como Ela creu e amou mesmo no momento da profecia de
Simeão, na perseguição de Herodes, no exílio para o Egito, na vida pobre e
humilde de Nazaré, na saída de Jesus para sua missão messiânica e no momento de
sua Paixão e Morte de Cruz. Nunca duvidastes, ó Maria, do Amor e da Bondade de
Deus, mesmo vendo o vosso Filho pendente no madeiro da Cruz, sofrendo os mais
cruéis tormentos. Vossa fé jamais se abalou. Ajudai-nos. Ajudai-nos! Vede nosso
pouco amor a Deus. Vede nossa pouca fé. Ajudai-nos. Ajudai-nos a amar a vontade
de Deus, mesmo quando ela vier com sofrimento e cruz. Somente assim seremos
felizes, verdadeiramente felizes como vós fostes. Somente assim seremos felizes
como o foram os santos e santas de Deus. Amém!