Reflexões
de Dom Orani João Tempesta, O. Cist., Arcebispo Metropolitano de São Sebastião
do Rio de Janeiro, RJ
Dom Orani João Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro. |
Para nós, no Brasil, temos a Campanha da Fraternidade que
neste ano nos chama a ver os pecados de nossa sociedade com relação ao tráfico
humano. Sobre esse assunto já escrevi e tivemos em nossa Arquidiocese a
preparação para o lançamento da mesma na Quarta-feira de Cinzas.
O Papa Francisco também já nos orienta mundialmente sobre o
que ele deseja da Igreja Católica neste ano: “Fez-Se pobre para nos enriquecer
com a sua pobreza” (cf. 2 Cor 8,9). Esse mesmo teor ele nos indica para a
reflexão e prática como tema da Jornada Mundial da Juventude que ocorre em
nível diocesano no Domingo de Ramos: “Felizes os pobres em espírito, porque
deles é o Reino do Céu” (Mt 5,3). E com essa proposta, já indica os próximos
temas dos anos seguintes, dentro do “Sermão da Montanha”.O nosso convite é para
que neste tempo vivamos intensamente a vida de silêncio, conversão –
preparando-nos para celebrar festivamente a Páscoa da Ressurreição.
A palavra "Quaresma" vem do latim
"quadragésima", isto é, "quarenta", e está ligada a
acontecimentos bíblicos, que dizem respeito à história da salvação: jejum de
Moisés no Monte Sinai, caminhada de Elias para o Monte Horeb, caminhada do povo
de Israel pelo deserto, jejum de Cristo no deserto. Como outrora, o povo
de Deus caminhou 40 anos no deserto, rumo à Terra prometida (Terra de Canaã), e
Jesus se retirou 40 dias no deserto, preparando sua paixão, morte e
ressurreição, assim, os cristãos, hoje, acompanham os passos do Divino
salvador, preparando devotamente a santa Páscoa.
A Quaresma é um tempo de Preparação Penitencial para a
Páscoa, e tem dois momentos distintos: o primeiro vai da Quarta-feira de Cinzas
até o Domingo da Paixão e de Ramos, e o segundo, como preparação imediata, vai
do Domingo de Ramos até à tarde de Quinta-feira Santa, quando se encerra então
o tempo quaresmal. Aí começamos a celebrar o Solene Tríduo Pascal.O tempo da
Quaresma é tempo privilegiado na vida da Igreja. É o chamado tempo forte, de
conversão e de mudança de vida. Sua palavra-chave é: "metanóia", ou
seja, conversão.
Nesse tempo, se registram os grandes exercícios quaresmais:
a prática da caridade e as obras de misericórdia. O jejum, a esmola e a oração
são exercícios bíblicos até hoje recomendáveis na imitação da espiritualidade
judaica.
No Brasil, como dissemos, realiza-se a Campanha da
Fraternidade, com sua proposta concreta de ajuda aos irmãos (temos a coleta da
solidariedade), focalizando sempre um tema da vida social. Seis são os
domingos da Quaresma, sendo o sexto já o Domingo de Ramos. A Quaresma tem o seu
domingo da alegria: o 4º domingo, chamado "Laetare".
A
Espiritualidade Quaresmal é caracterizada pela:
1) Escuta da Palavra
de Deus: a Palavra de Deus é a luz que ilumina nossos passos, chama à
conversão e reanima nossa confiança na misericórdia e bondade de Deus. Vamos
ouvir o que Deus quer nos dizer nesta Quaresma através de sua Palavra!
2) Oração: na Quaresma devemos
intensificar a vida de oração pessoal e comunitária. Lembramos as reuniões da
CF e da via-sacra em família ou nas comunidades como momento forte de
oração comunitária. Pela oração entramos em sintonia e intimidade com Deus e
discernimos sua vontade.
3) Caridade: na
Quaresma somos chamados ao exercício da caridade fraterna e solidariedade com
os irmãos. Caridade que se expressa, sobretudo, através da esmola. A esmola é
um exercício de libertação do egoísmo. A partilha dos bens materiais é um gesto
de caridade cristã que enobrece a alma humana. Lembramos que neste ano a
Arquidiocese vive o “ano da caridade”, e este gesto deveria ser ainda mais
intensificado. Porém, dar esmola não é apenas dar dinheiro, roupas e
alimentos... É fazer-se doação e entrega aos irmãos no serviço de construção da
fraternidade que é expressão do evangelho. O Papa Francisco nos recorda
de comprometer-se com o outro, “olhar o outro” com quem estou partilhando.
A Igreja no Brasil promove neste período a Campanha da
Fraternidade, que é um grande chamamento e mobilização em favor de uma
sociedade fraterna, justa e solidária. Neste ano temos como tema: Fraternidade
e Tráfico Humano e o lema: "É para a
liberdade que Cristo nos libertou" (Gl 5,1).
A Campanha da Fraternidade, desde 1964, tem como objetivo
unir os cristãos de todo país e pessoas de boa vontade num grande mutirão pela
fraternidade e solidariedade entre as pessoas. Reflexões em comunidades, gestos
concretos, aprofundar o tema, viver a conversão e profetizar em nosso tempo:
eis os passos importantes para a CF:
a) Jejum: o
jejum e a abstinência de carne são gestos exteriores que expressam nosso
esforço de conversão e mudança interior. Porquanto, a Quaresma é tempo de
retomar o caminho do Evangelho, de renovação espiritual, de morte ao pecado e
de cultivo da vida nova ou vida da graça.Assim sendo, preparemos com entusiasmo
Cristão a nossa santa Páscoa através da oração, do jejum e da caridade!
Quarta-feira de Cinzas e Sexta-feira Santa são dias especiais para manifestarmos
esse gesto, além de todos os demais dias de Quaresma, em especial, às
sextas-feiras.
b) Confissão: o
gesto da celebração penitencial quando reconhecemos nossos pecados e
experimentamos a misericórdia de Deus deve ser outro gesto que não pode faltar
neste tempo. Para isso as paróquias fazem mutirões de confissões, quando os
padres de uma mesma região se unem para atender as pessoas de uma paróquia,
dando assim oportunidade de todos se confessarem.
c) A mística deste
tempo (a pobreza) tem uma riqueza
imensa. O Papa Francisco nos ajuda neste ano com o tema: "Fez-se
pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza"(cf. 2 Cor 8, 9). Ele nos
pergunta em que consiste em ser pobre? "Em que consiste então esta pobreza
com a qual Jesus nos liberta e torna ricos? É precisamente o seu modo de nos
amar, o seu aproximar-Se de nós como fez o Bom Samaritano com o homem
abandonado meio morto na beira da estrada (cf. Lc 10, 25-37). Aquilo que nos dá
verdadeira liberdade, verdadeira salvação e verdadeira felicidade é o seu amor
de compaixão, de ternura e de partilha.
A pobreza de Cristo,
que nos enriquece, é Ele fazer-Se carne, tomar sobre Si as nossas fraquezas, os
nossos pecados, comunicando-nos a misericórdia infinita de Deus. A pobreza de
Cristo é a maior riqueza: Jesus é rico de confiança ilimitada em Deus Pai,
confiando-Se a Ele em todo o momento, procurando sempre e apenas a sua vontade
e a sua glória. É rico como o é uma criança que se sente amada e ama os seus
pais, não duvidando um momento sequer do seu amor e da sua ternura. A riqueza
de Jesus é Ele ser o Filho: a sua relação única com o Pai é a prerrogativa
soberana deste Messias pobre. Quando Jesus nos convida a tomar sobre nós o seu
'jugo suave' (cf. Mt 11, 30), convida-nos a enriquecer-nos com esta sua 'rica
pobreza' e 'pobre riqueza', a partilhar com Ele o seu Espírito filial e
fraterno, a tornar-nos filhos no Filho, irmãos no Irmão Primogênito (cf. Rm 8,
29)".
O Papa Francisco nos convida a viver e a testemunhar a
pobreza: "Poderíamos pensar que este 'caminho' da pobreza fora o de Jesus,
mas não o nosso: nós, que viemos depois d'Ele, podemos salvar o mundo com meios
humanos adequados. Isto não é verdade. Em cada época e lugar, Deus continua a
salvar os homens e o mundo por meio da pobreza de Cristo, que Se faz pobre nos
Sacramentos, na Palavra e na sua Igreja, que é um povo de pobres. A riqueza de
Deus não pode passar através da nossa riqueza, mas sempre e apenas através da
nossa pobreza, pessoal e comunitária, animada pelo Espírito de Cristo".
O Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria
espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador
de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado
e nos ama gratuitamente e sempre, e de que estamos feitos para a comunhão e a
vida eterna.São muitas riquezas a serem aprofundadas neste tempo que se
aproxima. Desde já vamos nos preparando! Um grande acontecimento tem que ser
bem preparado. É este o sentido que queremos viver desde já! Que nesta Quaresma
que se aproxima possamos fazer experiência da misericórdia, tornarmo-nos
misericordiosos e agentes de misericórdia com um coração e vida de pobre,
comprometendo-nos com a libertação das pessoas subjugadas por tantas situações
de tráfico humano. Eis que se aproxima a oportunidade de vivermos o “tempo de
conversão”.
† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ (10 de Fevereiro de 2014)
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