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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Um texto para meditar sobre velas e luzes!

Estava lendo umas coisas que escrevi tempos atrás e me deparei com esta crônica, que um dia usei numa missa de formatura de uma turma de medicina... Espero que gostem:
Sobre velas e luzes (Frei Marcos Matsubara, ocd)

Algum tempo atrás estive pensando sobre inutilidades...
Olhei para cima da estante do meu quarto e vi uma vela que ganhei de um amigo, o Frei Luiz Antônio.
Sabe aquele tipo de vela que é tão bonita que chega a dar pena de acendê-la? A gente fica com medo de gastar, justamente porque é bonita demais.
Pois bem, eu bem que fico lamentando toda vez que a acendo, mas não há outro jeito. Caso contrário ela ficaria eternamente como um simples objeto de adorno, certamente muito bonito, mas sem qualquer utilidade a não ser o de enfeitar a estante.
Todas as vezes que tem alguma data especial eu acendo esta vela, que veio de um santuário mariano da Áustria, e a cada vez que é acendida eu faço uma oração, primeiro pelo frei Luiz Antônio e depois para os muitos amigos que tenho. É uma maneira que descobri de trazê-los ao meu lado, uma presença espiritual que só o coração entende.
Mas, voltando ao caso da vela e da sua inutilidade, eu lembrei que a vela é um desses objetos que perderam a sua função primeira, que neste caso é o de iluminar. Qualquer criança sabe que uma lâmpada, até mesmo uma fraquinha de 15 watts, ilumina mais do que uma vela de sete dias. Portanto, como “objeto iluminador” a vela já foi superada há muito tempo pelas lâmpadas. Aliás, é incrível a variedade de cores, formas, tamanhos e aplicações das lâmpadas que temos à disposição hoje em dia. Outro dia vi um chuveiro que, com a ajuda da iluminação artificial, permitia ao usuário tomar banho colorido, isto é, a água que caía do chuveiro vinha colorida. Para quem gosta de opções esotéricas, cromoterapia, etc, é um prato cheio. Eu achei até muito bonito de se ver mas, sinceramente, ficar tomando banho debaixo de águas coloridas pareceu muita excentricidade para o meu gosto.
Pois então, se as velas perderam sua função original (deixaram de ser “úteis), deveriam cair no esquecimento, se não conseguissem conquistar um novo sentido, se a elas não fosse atribuída uma nova função, algo que está ligado ao que a gente não vê. Foi isso o que aconteceu e elas passaram a ser velas de aniversário, velas de jantares românticos, velas de romeiros... O Anselm Grün escreveu certa vez que os peregrinos deixam suas velas acesas em frente às imagens dos santos para que elas (as velas acesas) continuem rezando por eles até que se consumam totalmente. Pode não ser verdade, mas que é uma bela explicação, isso é!
No canto do Exultet (da liturgia do Sábado da vigília da Páscoa), num dado momento diz o seguinte: “ que a luz deste círio misture sua luz à das estrelas”. Puxa, isso é pura poesia. Uma luz que seja tão ardente a ponto de se confundir com a luz estrelar.
Velas são inúteis... ficam encostadas nas gavetas das casas por um tempão, ou como simples objetos de decoração, a não ser que aconteça um black-out. Aí no meio da escuridão, sem luz elétrica, todo mundo é capaz de revirar a casa inteira à procura de um cotoco de vela. (Onde foi mesmo que eu coloquei aquela vela? Droga, a gente só acha as coisas quando não precisa! Valei-me São Longuinho se eu achar um cotoquinho, juro que dou três pulinhos!).
Mas as velas têm uma poesia que nenhuma lâmpada tem. Velas morrem diante de nossos olhos consumindo-se em lágrimas. Elas precisam desaparecer para iluminar o lugar onde estão. Ao contrário das luzes elétricas, elas nunca violentam o mistério do ambiente que iluminam. Sempre deixam algo na penumbra, só iluminam parcialmente e o resto continua mergulhado no escuro preservando o mistério das coisas e pessoas ou ocultando assombrações que me faziam tremer de medo quando eu era pequeno. Velas têm chamas que dançam feito bailarinas, tremulando freneticamente, noutras vezes plácidas e sonolentas. Pensando bem, nos assemelhamos mais a frágeis velas de curta duração, do que a lâmpadas eficientes, duradouras, resistentes a ventos, funcionais, práticas... mas frias.
Certo dia Jesus disse que deveríamos ser luzes neste mundo. “Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo (Mt 5,14). A vocês que trabalham em diversas ocupações, gostaria de deixar uma mensagem de fé e esperança: Sejam luzes a iluminar a vida daqueles que um dia haverão de buscar a sua ajuda profissional. Não esqueçam de que antes de serem clientes, pacientes ou fregueses, são seres humanos que buscam luzes para os seus problemas, soluções para suas necessidades.
Como velas que se desgastam para iluminar, não se poupem em ser melhores. Melhores não somente como profissionais, mas humanamente. Um médico que saiba olhar nos olhos de seu paciente estará ajudando na sua cura, pois sabemos que as enfermidades físicas vêm acompanhadas de outras que são da alma, do coração. Ninguém gosta de ser tratado como um número na lista de consultas. Todos queremos ser tratados como gente.
Há quem diga que tudo isso não passa de uma enorme besteira própria de pessoas exageradamente idealistas, românticas ou sonhadoras. Mas, creiam-me, estamos bem acompanhados. Alguém já cantou uma dia: “ You’ll may say I’m a dreamer, but I’m not the only one” (Imagine- John Lennon)
Como velas inúteis, continuemos iluminando. Esta é a nossa missão. Brilhemos neste mundo tão cheio das sombras da desconfiança. Precisamos de profissionais que sejam mais do que simples lâmpadas fluorescentes de brilho eficiente, mas profundamente frias e impessoais.
Precisamos de homens e mulheres que saibam ser como velas que iluminam sem jamais violentar o sagrado mistério das coisas e pessoas que estão a seu redor.
Sim, precisamos de gente que tenha o sabor do sal e o calor da luz. Precisamos de vocês...

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